Augusto Trindade. A carreira do violinista passada em revista.

Augusto Trindade«Eu diria que o ensino da música em Portugal, nas últimas duas décadas, evoluiu quase exponencialmente. (...) Tem vindo a ser desenvolvido um trabalho sustentado e de grande qualidade nas Escolas Profissionais de Música, nos Conservatórios e nas Academias de ensino oficial. Este ano letivo, em diversas masterclasses de violino que realizei em vários pontos do país, contactei com mais de oitenta alunos e denoto claramente que o nível performativo dos alunos de violino é cada vez mais elevado. Assemelha-se, sem dúvida, ao praticado no estrangeiro (...). A aprendizagem da música foi aberta à comunidade, mas com as restrições orçamentais que se têm vindo a suceder ultimamente temo que haja um retrocesso e, nesse caso, certamente que voltaremos a ficar novamente desfasados do que se pratica noutras partes do mundo».

Augusto Trindade, muito obrigado por ter aceitado o nosso desafio. Como foi o seu percurso formativo até iniciar os seus estudos musicais na Academia de Música de Espinho?
Desde já, agradeço o convite e o vosso interesse na realização desta entrevista. Quanto à minha formação inicial, até aos 5 anos, idade com a qual iniciei os meus estudos musicais na Academia de Música de Espinho, o meu percurso formativo foi absolutamente normal, frequentava a pré-primária e, desde cedo, demonstrei o gosto pelo instrumento. Por essa razão, os meus pais decidiram inscrever-me na Academia.

Os professores Fernando Ferreira e Carlos Fontes foram mestres importantes? Tiveram uma influência direta na sua opção de enveredar profissionalmente pelo mundo da música?
Sim, claro. Na Academia de Música de Espinho, o professor Fernando Ferreira foi meu professor numa fase inicial dos meus estudos, de qualquer forma, guardo muito boas recordações do empenho e dedicação com que ensinava violino. Posteriormente, já na Academia de Música de Paços de Brandão, o professor Carlos Fontes foi, sem dúvida, muito importante na minha formação e contribuiu claramente para que eu pudesse reunir “ferramentas” para prosseguir os estudos em música. De qualquer forma, tenho que reforçar a ideia de que o facto de eu ter frequentado ainda no secundário, paralelamente à minha formação académica, atividades extracurriculares, tais como os estágios da Orquestra Portuguesa da Juventude, Orquestra das Escolas Particulares de Música, masterclasses, etc, contribuíram em grande parte para esta tomada de decisão. Hoje em dia há imensas iniciativas, desde festivais a concursos, cursos de aperfeiçoamento, mas, naquela altura, a oferta era bem mais reduzida e poder integrar essas formações contribuía imenso para o nosso crescimento, contactávamos com jovens de todo o país, conhecíamos outros professores e confesso que quando regressava, pensava que era mesmo isto que eu gostaria de fazer no futuro. Sem me desviar da questão inicial, claro que os professores foram fundamentais, assim como outras pessoas ligadas ao meio musical que acreditavam nas minhas potencialidades e que também me incentivavam a participar em projetos deste género.

Augusto TrindadeZofia Woycicka teve alguma influência no facto de ter optado por realizar o seu Mestrado em Artes no Conservatório Estatal Rimsky-Korsakov de S. Petersburgo, na Rússia?
Indiretamente sim. A professora Zofia Woycicka foi determinante na minha formação e sempre defendeu que eu deveria prosseguir os meus estudos no estrangeiro após a conclusão da minha formação na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Instituto Politécnico do Porto. Após realização de provas, fui aceite na Northwestern University em Chicago, na classe do professor Gerardo Ribeiro. Como fui parar à Rússia, parece um pouco caricato, mas deve-se ao maestro Osvaldo Ferreira, que na altura realizava uma pós-graduação em direção de Orquestra no Conservatório de S. Petersburgo. Convidou-me para ir visitá-lo (em género de férias), mas aconselhou-me a levar o violino. Efetivamente durante a estadia em S. Petersburgo acabei por ter aulas de violino todos os dias e no final desse período, questionaram-me se não pretendia realizar provas de acesso a mestrado; fui aceite e no verão seguinte, no antigo Festival Internacional de Música de Santa Maria da Feira, o professor Vladimir Ovcharek, chefe da cátedra do departamento de cordas do Conservatório de S. Petersburgo e antigo concertino da Orquestra Sinfónica de S. Petersburgo, realizou uma masterclass de violino. Na programação do festival, estava previsto um concerto com jovens intérpretes do Conservatório de S. Petersburgo; por coincidência, o jovem violinista russo não pôde realizar a viagem para Portugal e convidaram-me para participar no recital. No final do concerto o professor Vladimir Ovcharek convidou-me para integrar a sua prestigiada classe no respetivo Conservatório. Entretanto, após concurso, foi-me atribuída uma bolsa de estudos pela Secretaria de Estado da Cultura Portuguesa para ir estudar para a Rússia e, obviamente, não hesitei.

O que o levou a optar por Espanha para realizar o doutoramento?
A qualidade da Universidade e as excelentes relações que mantenho com os professores, designadamente com o meu orientador da tese de doutoramento, professor doutor Francisco Rodilla Léon. Esta proximidade resultou de um projeto de criação de uma Orquestra Sinfónica agregada à Universidade da Extremadura em Espanha (UEx). A Universidade tem um coro conceituado internacionalmente, cujo diretor é precisamente o professor Francisco Rodilla, que me lançou o desafio de criar uma Orquestra Sinfónica. Desde então, mantém-se uma excelente relação profissional com quem desenvolvo o meu trabalho enquanto doutorando.

Augusto TrindadeZakhar Bron, Mikhail Gantvarg, Aníbal Lima e Gerardo Ribeiro foram também nomes que o influenciaram muito na sua forma de tocar e de encarar a música?
Sem dúvida, cada professor tem um modo operandis diferente, estratégias de ensino distintas, pormenores técnicos e interpretativos que podem diferir entre eles, de qualquer forma, naturalmente que se complementam e contribuíram para a minha abordagem própria da música e respetiva interpretação. Qualquer um dos professores que mencionou tem carreira internacional, lecionam em Universidades ou Escolas de referência e contam na sua classe com alunos de elevado nível, premiados internacionalmente. Foram claramente referências para mim enquanto estudante e continuam a ser referências na minha carreira, designadamente enquanto instrumentista.

Tem participado em vários festivais. Quais os que mais o marcaram?
Atualmente sou diretor de um conceituado festival, que conta este ano com a sua 38ª edição, o Festival Internacional de Música de Verão de Paços de Brandão (FIMUV), onde também já participei enquanto violinista e, obviamente que foi importante e continuará a sê-lo ainda na presente edição; aliás, apresentar-me-ei com a Camerata Nov’Arte no dia 5 de julho numa interpretação encenada da “História do Soldado” de Stravinsky. Realmente, tenho participado em vários festivais internacionais, mas destaco a Oficina de Música de Curitiba no Brasil que é um dos maiores festivais da América do Sul, Festival de Ouro Branco também no Brasil, Festival de Música Antiga em Cáceres, Festival Internacional de Música de Aberdeen, entre outros. Em Portugal, participei várias vezes no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, Festival Cistermúsica, Lagos, Festival Música Júnior em Montalegre, etc. A minha participação em festivais normalmente contempla masterclass de violino e concertos e, desta forma, considero que são muito importantes no desenvolvimento artístico dos seus intervenientes. Estabelecem-se novas relações, partilha-se conhecimento e experiências. Para além disso, são igualmente determinantes para a divulgação da cultura onde estão sediados.

Enquanto solista já tocou com orquestras como a St. Petersburg State Orchestra, Orquestra do Conservatório de S. Petersburgo, Orquestra da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, Orquestra da Universidade da Extremadura (Espanha), Banda Sinfónica Portuguesa, entre outras. Pensa que os seus alunos se sentem motivados ao mirarem o percurso do seu professor? Tenta transmitir-lhes confiança no sentido de lhes mostrar que, caso trabalhem bem, também poderão pisar os mesmos palcos?
Sem dúvida. Enquanto professor de violino da Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco (ESART) e da Academia de Música de Paços de Brandão, se tiver que enumerar um grande objetivo no meu percurso enquanto professor, então escolho o trabalho, é determinante um estudo focado, dedicação e tentativa incessante de procurar objetivos para que os alunos se sintam motivados e vejam o seu esforço reconhecido. Obviamente que, pela especificidade da nossa atividade enquanto músicos nunca poderemos “reduzir-nos” à atividade docente. A performance e a docência na arte, em particular na música, têm que estar sempre associadas, pela própria natureza do nosso tipo de ensino que se distingue largamente dos demais. O ensino do instrumento é individual, de caráter expositivo e demonstrativo, por essa razão, o instrumentista, à semelhança do atleta, não pode estagnar. Há um trabalho interminável de investigação, exploração de novo reportório e conhecimento que diariamente se vai transmitindo aos alunos; claro que a par do empenho também tem que haver ambição salutar, que nos mova, que nos leve a integrar novos projetos, de preferência originais que acabam por nos abrir novas portas no mercado de trabalho. Normalmente, os alunos tendem a considerar o professor como uma referência e é natural que ambicionem atingir lugares e níveis semelhantes aos dos seus professores. Por isso, com trabalho e empenho, faço os meus alunos acreditarem que verão o seu desempenho reconhecido e encontrarão o seu lugar na esfera musical.

Augusto Trindade

Tem sido dirigido por maestros como Osvaldo Ferreira, Ivo Cruz, Marc Tardue, Sir Neville Marriner, Omri Hadari, Luís Carvalho, Kamen Goleminov, Michael Zilm, Francisco Rodilla Léon, Tugan Sokhiev, Leonid Korchmar, Cesário Costa, entre outros. A sua interpretação é muito permeável às diferentes abordagens que cada maestro faz das obras?
Tem que ser, se estamos a trabalhar em Orquestra ou em formações camerísticas, podemos ter a nossa interpretação, mas terá que ser moldada pelo maestro em função de uma única interpretação da formação como um todo.

Integra júris e realiza regularmente masterclasses. Do que lhe é dado a observar nestes contextos, sente que o ensino da música em Portugal segue um caminho correto e próspero? Notam-se muitas diferenças relativamente ao que lhe é dado a observar lá fora?
Eu diria que o ensino da música em Portugal, nas últimas duas décadas, evoluiu quase exponencialmente. A aposta nas iniciações ou preparatórios com grande qualidade, a aplicação correta de algumas metodologias como o Método Suzuki e outros, o corpo docente qualificado, os apoios ao ensino artístico especializado no básico e secundário, as iniciativas culturais como masterclasses, festivais, concursos, entre outros, têm contribuído para que o nível do ensino da música em Portugal se aproxime cada vez mais do praticado no estrangeiro. Tem vindo a ser desenvolvido um trabalho sustentado e de grande qualidade nas Escolas Profissionais de Música, nos Conservatórios e nas Academias de ensino oficial. Este ano letivo, em diversas masterclasses de violino que realizei em vários pontos do país, contactei com mais de oitenta alunos e denoto claramente que o nível performativo dos alunos de violino é cada vez mais elevado. Assemelha-se, sem dúvida, ao praticado no estrangeiro, aliás, já dei masterclasses no estrangeiro onde verifico que há alunos extremamente talentosos, mas o sistema é menos estruturado do que o nosso e isso reflete-se nos alunos ao nível da execução e formação de uma forma geral na música. No entanto, não nos podemos esquecer do investimento que é feito no ensino artístico da música em alguns países. Em Portugal, houve um grande investimento, mas de algum tempo a esta parte, tenho denotado a preocupação das pessoas que integram as direções das escolas no que diz respeito aos financiamentos. A aprendizagem da música foi aberta à comunidade, mas com as restrições orçamentais que se têm vindo a suceder ultimamente, temo que haja um retrocesso e, nesse caso, certamente que voltaremos a ficar novamente desfasados do que se pratica noutras partes do mundo. Voltando à ideia inicial, tenho estado no júri de vários concursos, aliás promovo também no Festival de Música de Paços de Brandão (FIMUV) jovens laureados de alguns concursos nacionais e internacionais que têm lugar no nosso país, e é com imensa satisfação que observo os elevados patamares de qualidade de precoces crianças e jovens violinistas com que contamos atualmente. Até gostaria de ressalvar que, no âmbito do mestrado que realizei na Rússia, fui professor assistente na Escola de Talentos da classe de violino do Stadler; contactei com alunos precoces violinisticamente, que por de trás dessa formação estava uma cultura musical enraizada, mas, posso, neste momento afirmar que estamos no bom caminho para atingir estes níveis de qualidade. Portugal, embora na “ponta” da Europa tem todas as condições para se igualar às grandes potências, é apenas necessário que sustentem o talento e potencial dos nossos jovens e promovam condições de trabalho para que os profissionais desenvolvam a sua atividade com condições e qualidade. Para terminar esta questão, gostava de salientar a empregabilidade dos nossos jovens, já parece cliché, mas depois do investimento na formação é mesmo necessário criar mais oportunidades no ensino e, sobretudo, na performance para os instrumentistas recém-formados.

Augusto TrindadeQuando os seus alunos recebem prémios sente-os como um pouco seus?
Estaria a mentir se dissesse que não. O prémio é sempre do aluno, mas, para atingi-lo foi necessário um trabalho árduo e persistente do aluno e do professor, normalmente em horário extracurricular porque o tempo de aula habitual não permite desenvolver um trabalho tão pormenorizado, tal como é exigido em qualquer um dos prémios obtidos pelos meus alunos. Enquanto professor na ESART e na Academia de Música de Paços de Brandão, ensino no sentido de criar todas as ferramentas de forma a poder estimular os alunos a apresentarem-se em concursos. Obviamente que o resultado final tem que ser sempre relativizado, mas o trabalho desenvolvido, as horas despendidas para atingir determinado objetivo “revertem” sempre a favor do estudante, por isso, é sempre uma mais-valia. Praticamente após o meu regresso da Rússia e o início de atividade docente na ESART e na Academia em Paços de Brandão, que, anualmente, lanço desafios aos alunos para se prepararem para Concursos nos quais têm sido premiados, desde a Orquestra de Jovens da União Europeia (EUYO) Orquestra Mundial, Orquestra Mundial East and West, Orquestra de Jovens Mundial, Orquestra Sinfónica do Youtube (YSO), Orquestra da Academia Penderecki na Polónia, Orquestra de Jovens do Mediterrâneo (OJM), Jovem Orquestra Portuguesa (JOP), Estágio Gulbenkian para Orquestra e Concursos como o Paços’ Premium, Santa Cecília, Cidade do Fundão, Elisa Pedroso, entre outros. A preparação envolve horas de empenho por parte dos alunos e dos professores, por isso, refiro que me sinto tão contente com o sucesso quanto eles e que o prémio é partilhado.

Quais os projetos que está a abraçar atualmente?
Tal como já mencionei anteriormente, sou o diretor artístico do Festival Internacional de Música de Verão de Paços de Brandão (FIMUV) desde 2013 que, este ano, conta com uma programação eclética e de grande qualidade. Sou também concertino da Camerata Nov’Arte e da Orquestra da Universidade da Extremadura (Espanha); em breve, com a minha esposa que também é violinista e professora nas mesmas instituições onde eu leciono, Alexandra Trindade, iniciaremos um novo projeto com dupla valência (pedagógica e artística), contemplará masterclasses, concertos em duo e/ou formações ligeiramente alargados para além deste núcleo, encomenda de obras e gravação das mesmas, chamar-se-á ÁtriA.

Para terminarmos esta entrevista - numa altura em que ouvimos tantos agentes culturais lamentarem-se relativamente a diversos aspetos - gostaríamos que nos dissesse o que gostaria de ver mudado no âmbito da cultura em Portugal, nomeadamente em aspetos que ao universo musical digam respeito.
Gostaria que proporcionassem apoios mais sustentados às artes e à música em particular, quer para o ensino, quer para a performance. Gostaria que fossem dadas oportunidades em Portugal a músicos portugueses com carreira e jovens intérpretes que sonham poder ocupar o seu lugar depois de realizaram um longo e árduo percurso. Por fim, lamento, por vezes, observar determinados círculos fechados a algumas pessoas e não se abrirem a outros com tanto ou mais mérito. Acredito nas sinergias institucionais e, por isso, considero que seria benéfica a proximidade e partilha entre todos, assim teríamos, certamente, uma cultura mais próspera.

Augusto Trindade

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